No mundo das escolhas racionais, comportamentos intuitivos em busca de aceitação social podem dar um empurrãozinho na causa ambiental
Outro dia, saindo do prédio, o síndico me pegou de surpresa. “Você recicla seu lixo?” Espanei: “Claro!” Era uma redonda e vergonhosa mentira. Ele só queria indicar o local do lixo convencional. E eu, já afundada na lama. Podia ter argumentado que havia me mudado recentemente, não conhecia bem o bairro, que a falta de carro difi cultava transportar os recicláveis. Tudo desculpas. Não, eu não reciclo meu lixo! Não parece tão difícil confessar essa simples verdade. Mas, naquele momento, foi. Fui impelida a mentir para meu novo vizinho, um ilustre desconhecido, quiçá ele mesmo um não reciclador, um consumidor de mogno, um matador de focas marinhas.
O que me conforta é saber que não estou sozinha. E que reações patéticas como a minha vêm inspirando novas estratégias ambientalistas. Elas se baseiam na economia behaviorista, que parte do seguinte pressuposto: o ser humano é complexo, e adota muitas vezes determinados comportamentos que fogem da escolha racional preconizada pelas leis econômicas tradicionais, da busca pela opção que maximize o interesse próprio.
Muitos instrumentos motivadores de mudanças comportamentais baseiam-se na racionalidade econômica. A comercialização de créditos de carbono, por exemplo: se proteger a floresta é lucrativo, é o que eu vou fazer. Mas tem comportamentos que fogem desse tipo de escolha. Também fazemos coisas irracionais do ponto de vista estritamente econômico, como arriscar a vida para salvar da morte um estranho na rua. Ou – menos altruístico mas tão irracional quanto – agir apenas para impressionar nossos vizinhos.
Quero ser sócio desse clube!
O psicólogo comportamental Roberto Cialdini, da Universidade do Arizona, nos Estados Unidos, colocou pequenas mensagens em quartos de hotel para checar o quanto elas infl uenciariam os hóspedes a reusarem ou não suas toalhas antes de considerá-las sujas. Mensagens dizendo que reusar as toalhas era bom para o meio ambiente não tiveram praticamente nenhum impacto sobre os hóspedes. Mas quando ele alterou a mensagem para algo como “a maioria dos hóspedes deste quarto reutilizou a toalha pelo menos uma vez durante a estadia”, o número de pessoas que passou a reusá-las aumentou em expressivos 30%.
Segundo ele, a reação remonta a um instinto de sobrevivência, a um comportamento quase involuntário, de querer compartilhar das mesmas situações e comportamentos das pessoas parecidas conosco, da mesma forma que pássaros buscam seu bando ou abelhas um enxame.
Em outra pesquisa, ele enviou pequenas mensagens na conta de luz de quatro grupos distintos de residências de um bairro americano. Cada uma incentivava a redução no consumo por uma razão diferente: pelo bem do planeta, pela qualidade de vida das futuras gerações, para economizar dinheiro, e pelo fato de que, comparado a seus vizinhos, quem recebia a correspondência podia ser um gastador. Apenas o último grupo reduziu efetivamente seu consumo – em 10%.
O pesquisador foi até chamado a apresentar os resultados da pesquisa perante o Congresso americano, interessado em formas inovadoras de desestimular exageros no consumo energético. E virou sócio de uma empresa cujos clientes são de diferentes distribuidoras de energia e gás americanas. O que eles oferecem é de uma singeleza chocante: contas simples de ler e com informações sobre o consumo de cada cliente em comparação com seus vizinhos de perfi l parecido. Resultados vêm mostrando redução de 3% a 6% no consumo, dependendo da região onde o programa se instalou.
Dois conceitos permeiam essa descoberta. O “paternalismo liberal” defendido por Richard Thaler e Cass Sunstein, dois professores da Universidade de Chicago, sugere que o Estado deve dar um “empurrãozinho” (nudge, em inglês) para que a população tome melhores decisões, por meio da maior disponibilização– ou cuidadosa seleção – de informações.
Para eles, essa “arquitetura da escolha” não afetaria a liberdade individual, apenas auxiliaria na busca por mais racionalidade nas decisões. Exemplos dessa arquitetura são a ordem em que os objetos são exibidos nas prateleiras ou a força da inércia na decisão de ser um doador de órgãos – em vez de ter de escolher ser um doador, o indivíduo tem de escolher não ser um doador. Manipulação ou não da informação, o fato é que muitas vezes funciona.
É claro que essas estratégias não são mágicas e têm efeito limitado. Uma boa tecnologia de energia alternativa vale mais que contas com mensagens provocantes. Mas, na urgência de mudanças, tudo vale a pena. Sabe aquela ladainha da sua mãe, de dar o exemplo? Ela tinha razão. Eu, do meu lado, entrei em 2010 reciclando todo o meu lixo – um pouco também na torcida de que meu vizinho esteja lendo esta coluna.
*Pesquisadora do Gvces e mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela London School of Economics and Political Science